Entrevista: padre John McCloskey

A Igreja não vai mudar

por Jos Eduardo Barella

O padre americano, famoso por converter protestantes, diz que o legado conservador de João Paulo II vai perdurar por mais quatro décadas

O padre John McCloskey, de 48 anos, não canta, não dança nem arrasta multidões para suas missas, mas está virando uma versão americana do padre Marcelo Rossi. Membro da Opus Dei, organização ultraconservadora ligada à Igreja Católica que atua de forma quase secreta, McCloskey ganhou notoriedade por ter convertido ao catolicismo membros influentes da elite política americana, tradicional reduto de protestantes. Entre as novas aquisições para o rebanho católico estão um senador republicano e dois jornalistas muito conhecidos. Presença constante em programas de TV, McCloskey também chama a atenção por sua trajetória. Economista, ele abandonou um emprego promissor em Wall Street para se ordenar padre, em 1981. McCloskey é um conservador no que diz respeito à missão e aos dogmas da Igreja Católica. Condena a atuação política de padres, elogia o pontificado de João Paulo II e assegura que a Igreja Católica nunca vai abandonar a condenação do controle de natalidade, do divórcio e do homossexualismo. McCloskey falou a VEJA, por telefone, de Washington.

Veja – Por que um protestante abriria mão de sua religião para se converter ao catolicismo?
McCloskey – Porque é crescente o número de protestantes que compartilham os valores morais da Igreja Católica. São cristãos que acreditam na Bíblia, nos dez mandamentos e têm laços pessoais com Jesus Cristo. Se muitos protestantes e evangélicos simpatizam hoje com a Igreja Católica, isso se deve basicamente ao papa João Paulo II. Ao longo de seu pontificado, João Paulo II insistiu na defesa dos valores da Igreja Católica, o que inclui a condenação do aborto, do divórcio e do controle de natalidade.

Veja – As posições conservadoras da Igreja costumam ser citadas como fatores que afastam o fiel do catolicismo. Por que o senhor acredita que o fenômeno inverso ocorra nos Estados Unidos?
McCloskey – É um fenômeno interessante. Muitos católicos que não conheciam a própria fé deixaram a Igreja e se tornaram evangélicos. Ao mesmo tempo, evangélicos mais esclarecidos fizeram o caminho inverso, como um senador americano e centenas de pastores protestantes. Eles sentiram-se atraídos pela antiguidade da fé católica, com seus 2.000 anos de história. A Igreja Católica tem sacerdotes, o papa, a tradição dos grandes santos, a arte, a cultura, a literatura. Enfim, tem uma carga que não se vê em outras religiões. Os protestantes são cristãos. Mas compartilham apenas uma parte da verdade, de acordo com o ponto de vista dos católicos.

Veja – O senhor concorda que boa parte dos católicos discorda da posição oficial da Igreja em assuntos como controle de natalidade e divórcio?
McCloskey – A posição do papa sobre divórcio, aborto, controle de natalidade não pode mudar, pois está ligada ao que é a Igreja Católica. A Igreja propõe a verdade a seus fiéis, não impõe. Se alguém não quiser pertencer à Igreja, está livre para sair. Note que a Igreja Católica não é uma democracia. É uma instituição divina que não pode ser questionada. Ao ser criada, tinha apenas doze apóstolos. Hoje chega a 1 bilhão de fiéis – e isso sem que precisasse mudar suas opiniões, baseadas na ressurreição divina e na palavra de Jesus Cristo. Concordo com a tese de que é preferível ter um rebanho menor de católicos, mas fiéis aos princípios e às normas da Igreja, a mudar as regras apenas para arregimentar mais seguidores.

Veja – É mais difícil converter um ateu ou alguém que já tem uma religião?
McCloskey – Converter o ateu, sem dúvida. Mas cada um tem sua própria história e sobretudo uma graça que o impele a buscar o catolicismo. É o caso de um médico conhecido por praticar abortos, que era ateu e foi convertido. Há também casos de judeus que ajudei a converter. Mas todos eles sabem que a conversão exige sacrifícios em muitos sentidos. Alguns fizeram a opção em questão de meses. Outros levaram anos. Não há uma receita pronta, é uma questão de graça e de boa vontade da pessoa que está se convertendo à fé católica.

Veja – O senhor causou muita polêmica ao qualificar de "protestantes" as correntes dentro da Igreja Católica que discordam das determinações do Vaticano. O que o senhor quis dizer com isso?
McCloskey – Nos Estados Unidos, mais do que em outros países, há um grande número de pessoas que se dizem católicas, mas não concordam com os ensinamentos doutrinários e morais da Igreja. Isso me parece confuso. A definição de um protestante, desde a Reforma, tem sido a mesma: é aquele que é cristão, mas não está de acordo com certos ensinamentos da Igreja Católica. As principais divergências se dão em relação a temas como o divórcio, o aborto, a homossexualidade e a ordenação de mulheres. Não se trata de estar de acordo ou não com esses temas – trata-se de uma questão de fé. Se você acredita na Igreja Católica, tem de se entregar totalmente às causas defendidas pela Igreja. A tendência nos próximos anos é de que desapareçam essas pessoas que se dizem católicas, mas na prática não o são.

Veja – É possível ser um católico não-praticante, ou isso é uma contradição?
McCloskey – Sempre existiram na Igreja os católicos não-praticantes, que são aqueles que não estão cumprindo as leis morais que norteiam a Igreja. Ou seja, culpam a Igreja, mas não culpam a si mesmos. A Igreja sempre foi formada de pecadores. Sempre há a possibilidade de você confessar seus pecados e voltar à Igreja. Mas sempre me pareceu uma contradição essa pretensão de ser católico sem acreditar no que a Igreja ensina.

Veja – O que o senhor diria ao pai de uma criança que foi abusada sexualmente por um padre?
McCloskey – Diria que isso é uma vergonha, um crime, algo que não pode acontecer nunca. Certamente ofereceria minha solidariedade, pois é um dos piores crimes que um sacerdote pode cometer. Não há desculpa que justifique isso.

Veja – O que o senhor acha da atitude da Igreja, que, em lugar de expulsar, tentou proteger os sacerdotes pedófilos?
McCloskey – Penso que os bispos agiram de boa-fé. Eles estavam seguindo conselhos dos médicos que acreditavam que seria possível tratar os padres que molestaram menores. Hoje, ficou claro que essa atitude foi um grave erro de julgamento pelo qual as vítimas, os bispos e toda a Igreja Católica americana pagaram um alto preço. Mas estou pensando no futuro, não no passado. O mais importante é estabelecer regras claras para que crimes como esses não mais ocorram. Acho que os padres envolvidos nesse escândalo deverão ser punidos pelas leis da Igreja. Quanto à Justiça civil, não há o que especular. Ninguém está acima da lei, e alguns padres já estão cumprindo pena atrás das grades.

Veja – As pesquisas mostram que a maioria dos católicos americanos acredita que os padres deveriam ter o direito de casar-se. Qual sua opinião sobre o celibato?
McCloskey – Acho difícil uma mudança no celibato, tradição que remonta aos apóstolos e que a maioria dos sacerdotes ainda apóia. Os que defendem o fim do celibato são grupos pequenos e barulhentos, que se dizem católicos liberais. Estão se aproveitando desse momento de crise na Igreja para tentar impor suas idéias. Talvez seja o último grito antes da morte, pois boa parte desses ativistas tem mais de 70 anos. Nos últimos 35 anos, eles têm esperado mudanças profundas na Igreja, e tudo continua igual. Nada mudou, e nada vai mudar. Os sacerdotes jovens, em sua maioria, apóiam a manutenção do celibato. Vale lembrar que todos os padres assumem um compromisso ao optar pela vida religiosa. Acho perda de tempo discutir a possibilidade de mudar essa regra, pois isso não vai ocorrer. O celibato é um símbolo de devoção a Jesus Cristo.

Veja – Por que há tantos casos de pedofilia no clero católico?
McCloskey – Não há muitos casos. Desde 1964, menos de 2% dos 40.000 sacerdotes envolveram-se nesse tipo de crime. De qualquer forma, os escândalos geraram a pior crise na história da Igreja Católica nos Estados Unidos. Trata-se de uma boa oportunidade para realizar mudanças importantes. Em primeiro lugar, é imprescindível uma ampla reforma nos seminários. Ou seja, melhorar a seleção, a formação e o treinamento dos futuros sacerdotes. Eles precisam demonstrar completa lealdade aos ensinamentos da Igreja, principalmente no que se refere à sexualidade e ao matrimônio. Com isso, haveria uma diminuição dos casos de pedofilia e do êxodo de padres que deixam o sacerdócio para se casar.

Veja – Isso é suficiente para consertar os estragos causados pelos escândalos?
McCloskey – Há outros desafios para a Igreja Católica americana. Mais da metade dos católicos daqui têm origem hispânica. Precisamos assegurar que eles, em sua maioria imigrantes, continuem fiéis à Igreja Católica. Isso suscita uma questão fundamental: é necessário aumentar o número de sacerdotes que falam espanhol nos Estados Unidos. Isso deveria ser um requisito básico para os padres, principalmente os jovens. Só os filhos ou os netos dos imigrantes vão conseguir falar fluentemente o inglês.

Veja – O senhor costuma repetir que a Igreja Católica só será revitalizada se retornar às raízes. O que significa isso?
McCloskey – Significa manter estrita fidelidade aos ensinamentos doutrinários e morais da Igreja, que são perpétuos e necessários para a salvação. Esses ensinamentos são passados pelo clero, por meio de concílios e encíclicas, e são imutáveis. É preciso deixar claro que alguns temas estão fora de discussão, apesar da insistência de algumas pessoas em querer debatê-los. A Igreja nunca vai rever sua posição de temas como contracepção, aborto, divórcio ou a participação de mulheres no sacerdócio. Para ela, qualquer pessoa – homossexual ou heterossexual – não deve exercer sua sexualidade exceto dentro do casamento. Como um homossexual não pode casar-se, tem de se manter casto. Todo católico deve submissão ao que a Igreja propõe como necessário à salvação.

Veja – A Igreja Católica brasileira perdeu milhões de fiéis nos últimos anos para seitas evangélicas. Por quê?
McCloskey – O que ocorreu no Brasil é muito semelhante a um fenômeno registrado nos Estados Unidos. Muita gente abandonou a Igreja, mas não perdeu a fé. A maioria passou a ter um laço mais pessoal com Jesus, lendo a Bíblia. Não tenho elementos para analisar o que aconteceu no Brasil, mas acredito que a migração de católicos para as seitas evangélicas não deverá prosseguir pelos próximos anos. A história da Igreja Católica é repleta de altos e baixos. Na época da Reforma, houve grande perda de rebanho. Mas, logo depois, surgiu um novo período de acolhimento de milhões de novos fiéis. Talvez esse movimento em relação às seitas evangélicas seja resultado da falta de investimento na evangelização. É algo que podemos recuperar no futuro.

Veja – Muitos sacerdotes brasileiros consideram a ação social mais importante que a missão mística. Qual missão deveria prevalecer?
McCloskey – O mais importante é pregar o Evangelho e prover os sacramentos aos fiéis. Ou seja, o clero não deve interferir em assuntos políticos. Sou a favor de justiça social, mas quem deve se mobilizar são os leigos, que, para isso, contam com a formação cristã e os ensinamentos da Igreja. Aqui nos Estados Unidos não existe esse tipo de conflito, pois o clero católico não se envolve em política. Isso é coisa do passado. O clero existe para servir aos fiéis, e não para governá-los.

Veja – O senhor acha uma boa estratégia promover o catolicismo com música e shows, como faz o padre Marcelo Rossi?
Existem muitos meios modernos de atrair mais pessoas para a fé católica. Se o padre que recorre a eles é obediente a seu bispo e está levando a palavra de Cristo e os ensinamentos da Igreja de maneira correta, não vejo nenhum problema.

Veja – O pontificado de João Paulo II está chegando ao fim. Qual o balanço que o senhor faz de sua atuação?
McCloskey – João Paulo II foi o papa mais importante dos últimos cinco séculos. Durante todo seu pontificado, ele olhou para o futuro. É um homem de grande visão. Vale lembrar que, quando chegar o momento do conclave para escolher seu substituto, todos os cardeais presentes terão sido escolhidos por João Paulo II. Por isso, sua influência para o futuro da Igreja está assegurada por mais três ou quatro décadas, no mínimo.

Veja – A herança de João Paulo II será uma Igreja mais conservadora?
McCloskey – Não. Acho que João Paulo II fez um pontificado progressista. Ele é um reformador, que fez inovações em 24 anos de pontificado que nenhum outro papa poderia sequer imaginar. Realizou quase 100 viagens internacionais, usou com maestria o poder dos meios de comunicação, deu ênfase ao papel das mulheres na Igreja e foi o papa que mais canonizou santos. Isso para não falar na forma como organizou a Cúria. João Paulo II é um homem aberto. Não se esqueça de que a Igreja é, em sua essência, conservadora. Ela existe para preservar, é o depósito da fé. Sua missão é conservar esse legado e transmiti-lo aos fiéis. João Paulo II refere-se ao papa Paulo VI, considerado liberal, como seu pai espiritual – e se você analisar as encíclicas de Paulo VI não encontrará nada de liberal.

Veja – Qual o perfil ideal do próximo papa, em sua opinião?
McCloskey – Ele deve dar prosseguimento ao pontificado de João Paulo II. O ideal seria se conseguisse reunir a experiência pastoral e o conhecimento intelectual do atual papa. Seja quem for, deverá enfrentar os desafios da globalização da economia e os problemas dela decorrentes. Há também o desafio da atividade missionária. Ele deverá pensar em levar a Igreja Católica a países como China e Índia, que mal conhecem a palavra de Jesus Cristo, apesar de abrigar, somados, um terço da população mundial. Não me surpreenderia se o próximo papa fosse brasileiro ou africano. Seria natural, por causa do crescimento do catolicismo na África e da importância da Igreja na América do Sul.

Aparecido primeiramente em Vejo (Brasil) edi��o de 16 de outubro de 2002.
First appeared in Vejo (Brazil) in the October 16, 2002, issue.